domingo, 2 de outubro de 2011

Sobrevivência e morte nas redes sociais

Homens armados pararam o trânsito e despejaram 35 corpos, em plena hora do rush, em uma passagem próxima a um centro de compras muito frequentado por turistas na violenta cidade mexicana de Veracruz, na semana passada. Antes da chegada da polícia ou da imprensa, já pipocavam no Twitter mensagens com informações sobre a audácia dos bandidos.
“Evitem a Praça Las Américas”, escreviam alguns internautas. “Há homens armados. Não são soldados, seus rostos estão cobertos por máscaras”, ressaltavam outros. Relatos como estes se tornaram comuns no México no último ano, especialmente em regiões violentas onde o trabalho da imprensa é prejudicado pela pressão de narcotraficantes e governos corruptos.
Curiosamente, no mesmo dia do grande fluxo de mensagens por conta dos corpos despejados na rua, a Assembléia Legislativa do estado de Veracruz criminalizou o uso do Twitter e outras redes sociais para “perturbar a ordem pública”.
É a primeira lei deste tipo no México, e pelo menos outro estado, o de Tabasco, considera adotar medida similar. O medo das autoridades é o poder das redes online em disseminar o pânico no país. Em agosto, duas pessoas foram processadas em Veracruz por terrorismo depois que mensagens suas no Twitter – sobre um falso boato que dizia que as escolas da cidade estavam sendo atacadas – provocaram pânico entre pais, que saíram às ruas para buscar os filhos. Na ocasião, o secretário do Interior do estado de Veracruz, Gerardo Buganza, afirmou que houve pelo menos 26 acidentes de trânsito, e diversas pessoas, por conta dos engarrafamentos, largaram seus carros no meio da rua.
Ferramenta de segurança
Ainda que haja, desta forma, o risco de falsos boatos provocarem pânico em regiões fragilizadas pela violência, muitos mexicanos vêem as mídias sociais hoje como uma necessidade para o país. Enquanto em países como Egito e Síria, ou na China, as redes são usadas como um caminho para driblar as fontes de repressão e unir pessoas por uma causa, no México elas se tornaram ferramentas que auxiliam a população a sobreviver em meio aos perigos locais. As mensagens enviadas pelos mexicanos “não são tentativas em tempo real para conseguir mudanças no governo”, avalia Nicholas T. Goodbody, professor de estudos da cultura mexicana no Williams College, no estado americano de Massachusetts. “Estas pessoas estão tentando guiar sua rotina”.
“A mídia social está preenchendo uma lacuna deixada pela imprensa”, diz Andrés Monroy-Hernández, aluno de doutorado no M.I.T. Media Lab. “Em diferentes regiões do México, tanto o estado quanto a imprensa são fracos, enquanto o crime organizado se torna mais forte e, em alguns lugares, substitui o estado”. Hoje, o México é um país extremamente perigoso. Nos últimos cinco anos, cerca de 40 mil pessoas foram mortas na guerra do narcotráfico. Ao mesmo tempo, o país observa o crescimento da classe média, acuada pela violência e “armada” com computadores e telefones celulares. Há mais de 30 milhões de internautas (com acesso regular à web) no México – 95% destas pessoas têm perfil no Facebook. O Twitter tem mais de quatro milhões de usuários. Há ainda diversos blogs e sites dedicados a cobrir, com a colaboração de leitores, a violência espalhada pelo país.
Muitas das informações mórbidas e assustadoras espalhadas pelas mídias sociais não são encontradas na imprensa tradicional. Muitos mexicanos dizem que confiam mais no Twitter do que nos veículos de imprensa locais, e muitos pais e avós estão aprendendo com seus filhos e netos a mexer na internet com o objetivo específico de ampliar sua segurança.
Há muitas contas anônimas no Twitter voltadas a fornecer informações úteis sobre criminalidade e violência. Anonieta Salazar Loftin, aluna de doutorado em história mexicana na Universidade do Texas em Dallas, diz que estas contas prestam um serviço público necessário. “Elas preenchem a necessidade de informação de uma maneira imediata e acessível e, em um nível psicológico mais profundo, fornecem algum conhecimento e certeza em meio à incerteza”, analisa.
A lei de Veracruz é voltada especificamente a boatos falsos que criem pânico desnecessariamente. Mas a instantaneidade e a impossibilidade de se checar dados e fatos contidos nos relatos das redes sociais fazem com que ela se torne perigosa para pessoas bem-intencionadas que compartilhem informações que possam estar erradas. Para muitos mexicanos que acompanham as consequências da guerra do narcotráfico via Twitter, o compartilhamento de informações sem regulação é mais benéfico do que danoso para a população. Alertas digitais sobre tiroteios e postos de controle dos carteis ajudam a salvar vidas, dizem eles.
Novo alvo
Mas a situação não é tão simples. À medida que passaram a prestar um serviço de utilidade pública, os internautas também se expuseram àqueles que mais temem. Há pouco mais de duas semanas, um homem e uma mulher na faixa dos 20 anos foram encontrados mortos, pendurados em uma ponte na cidade de Nuevo Laredo, com um aviso preso a seus corpos: “Isso vai acontecer a todos os traidores da internet”. Uma terceira pessoa foi encontrada dias depois com uma nota que afirmava que havia sido morta por causa de postagens nas redes sociais.
E assim, os carteis de drogas, que tanto intimidaram e silenciaram a imprensa e a polícia, agora ameaçam a liberdade na internet. Diante do novo risco que correm, estes internautas já começaram a tomar cuidados. “As pessoas estão se unindo e expondo a verdade”, diz um deles. “Uns cuidam dos outros”.
Apesar da nova lei que pune falsos boatos, na semana passada o governador do estado de Veracruz, Javier Duarte de Ochoa, concedeu o perdão aos dois tuiteiros processados pelas mensagens sobre os ataques às escolas. Ochoa foi além e anunciou a decisão no próprio Twitter. A ação do governador pode servir de sinal de mudança no comportamento das autoridades diante das redes sociais: elas estão aprendendo a lidar com elas, ou, pelo menos, a tolerá-las. Informações de Damien Cave [The New York Times, 24/9/11]
(Tradução e edição: Leticia Nunes)
Jovens jornalistas, criados com os lobos

Tinha menos de dois anos de formado o jovem repórter da Veja que tentou invadir o apartamento de José Dirceu no Hotel Nahoum. Pelo que soube em Brasília, voltou para a casa da mãe.
Não sei a idade do repórter da Folha de S.Paulo que iludiu a confiança do tio, no caso Battisti. Mas foi exposto de forma fatal pelo próprio tio, em um artigo demolidor. E inspirou um artigo da ombudsman do jornal, no qual afirmava que era ingenuidade confiar em jornalistas. Tornou-se exemplo de como não se deve confiar em jornalistas. Dificilmente conseguirá fontes dispostas a lhe passar informações relevantes.
A campanha eleitoral do ano passado expôs outros jovens jornalistas, alguns com belo potencial, mas que tiveram a imagem afetada no alvorecer de suas carreiras por conta de métodos inescrupulosos empregados em suas reportagens. Culpa deles? Apenas em parte. Esse clima irracional foi fomentado por chefias que não se pejaram em jogar os repórteres aos lobos.
Processo semelhante ocorreu na campanha do impeachment, mas com resultados inversos. Uma enorme quantidade de mentiras divulgada, aceita pelos editores e pelos leitores sob o álibi de que valia qualquer coisa contra Collor. Foi um período vergonhoso para a mídia, no qual os escândalos reais não eram apurados, mas divulgava-se uma enxurrada de mentiras que não resistiam a um mero teste de verossimilhança. Dizia-se que Collor injetava cocaína por supositório, que ficava em estado catatônico e precisava ser penetrado por trás por um assessor, que fazia macumba nos porões do Alvorada.
Jornalismo declaratório
Os que mais mentiram se consagraram, ganharam posições de destaque em seus veículos. Premiou-se a mentira e a falta de jornalismo porque os escândalos reais demoravam mais para serem apurados e nem de longe de aproximavam do glamour da notícia inventada. Processo similar ocorreu durante e após a campanha do mensalão. Surgiu uma nova geração de repórteres sem limites, hoje em dia utilizados pelas chefias para atingir adversários através da escandalização de fatos normais.
Agora, em plena era da internet, ocorre o inverso. Esses jovens ambicionam a manchete, a aprovação das chefias, o curto prazo. Mas o registro de seus malfeitos estará indelevelmente registrado na internet. A médio prazo, será veneno na veia para suas carreiras. Pior, está-se criando uma geração de jornalistas para quem o jornalismo virou um vale-tudo: vale mentir, inventar, enganar, espionar, supor sem comprovar.
A reação de Caco Barcelos na Globonews nada teve de política ou ideológica – no programa sobre a tal Marcha Contra a Corrupção, depois editado para tirar suas afirmações mais impactantes contra o mau jornalismo. Ao denunciar esse jornalismo declaratório, simplesmente fazia uma defesa do jornalismo que aprendeu a praticar, de respeito aos fatos, de apuração das denúncias, de cautela nas acusações.
O velho jornalismo legitimador
Em muitos outros jornais há uma geração de jornalistas mais velhos formados sob esses princípios, mas que a falta de opções obriga a se calar ante tais abusos. Há igualmente uma jovem geração saindo do forno das faculdades que entendeu a diferença entre os princípios jornalísticos e esse arremedo que a era Murdoch lançou sobre a mídia mundial – especialmente sobre a brasileira. No final dos anos 80, quando a mídia brasileira abraçou o jornalismo sensacionalista, considerava-se ter entrado em linha com os grandes veículos globais – para quem a notícia é espetáculo, não serviço público.
Nos últimos anos, Roberto Civita importou de forma chocante o padrão Murdoch para a mídia brasileira – rapidamente imitada por outros jornais carentes de personalidade jornalística própria. A cada dia que passa, esse estilo – ainda que influenciando setores mais desinformados – parece cada vez mais velho e anacrônico.
Muitos dizem que o problema da velha mídia é não saber como se colocar nas novas tecnologias. Penso que é outro: é ter desaprendido as lições do velho jornalismo legitimador.
[Luis Nassif é jornalista]